sexta-feira, 15 de abril de 2011

Cronica: "Mais um dia" - para Prego Zine

Acordei tarde hoje, ao abrir os estores para entrar alguma claridade no meu quarto desarrumado, o sol já brilhava alto no céu, feria-me a vista, ainda habituada `a escuridão. Vesti as primeiras peças de roupa que apanhei pelo caminho e pus-me na rua, numa tentativa atabalhoada de aproveitar o resto do dia, visto que a manha já tinha ido toda com o caralho. Uma vontade de punk rock inundava-me as veias, apetecia-me correr, gritar, violar, sentir a música rápida e veloz, com aquelas palavras de ordem simples e objectivas, chocalhar-me a cabeça e urrar ao sol, berrar tudo de uma vez. Como e´ normal, nada disso aconteceu, sai, tranquilo e controlado em passo ligeiramente acelerado e balançante pelas ruas da cidade em direcção ao café do costume, numa de encontrar alguém com quem pudesse conversar um bocado e expressar as minhas ideias, no fundo, só procurava companhia, uma alma que me acolhesse e ouvisse, egoísta como sou, normalmente tenho este tipo de comportamentos, procuro simplesmente alguém que me ouça, mesmo que não tenha nada de jeito pra dizer e esqueço-me que essas pessoas também precisam de quem as ouça. E´ engraçado com `as vezes damos por nós a falar merda e faltamos ao respeito `aquele que nos ouve, estamo-nos mesmo a cagar pra opinião dele, nem sequer pensamos nisso, simplesmente não pensamos nada, só dizemos merda, lixo, conversas de merda, fúteis, vazias, ocas. De certa maneira apenas queremos esvaziar um pouco das nossas mágoas e frustrações, a negritude que nos vem dentro da alma, diria mesmo, que nos atormenta a alma, que nos faz pensar o porquê de vivermos, de continuarmos com esta rotina, de continuarmos, incessantemente a insistir em respirar e em viver de forma igual todos os dias. Acabamos por nos enganarmos a nós próprios, acreditando, que a partir de hoje tudo há-de ser diferente, decididos em mudarmos de vida, e e´ assim todos os dias, nunca estamos bem com o que temos, e queremos mostrar isso a alguém, descarregar querer acreditar que o amanha será melhor. O café estava vazio de caras conhecidas, não encontrei ninguém, fiquei a tomar o meu café, simplesmente acompanhado pelo fumo dos cigarros que fumava e pelas letras gordas do jornal sensacionalista que tinha pousado sobre a mesa. A merda continua!

Pedro Oliveira
Abril de 2011

Cronica: "Facadas" - para Enfarte Zine

Soube no outro dia que o meu vizinho do sexto andar, ah, e devo desde já avisar-te que vivo num prédio de quinze andares, com seis casas por andar, uma mera curiosidade que pode parecer irrelevante para esta nossa conversa, ou melhor, para aquilo que te estava a contar, mas que apresenta bem o problema do encaixotamento dos subúrbios da grande cidade e que de certa forma também serve para reflectir sobre esta nossa sociedade, onde as pessoas e as famílias vivem encavalitadas umas nas outras, presas à vida do trabalho casa e do casa trabalho, sociedade esta cada vez mais virada para o consumo. Problema este o do capitalismo pós-moderno que tem vindo a desrespeitar valores e morais, se bem que de certa parte, ache que os valorzinhos e moraizinhas bem enraizados pela grande velha gorda devam ser desrespeitados, mas há coisas que chegam ao cúmulo, e para mim, o desenfreado consumismo, causa capital, é um deles, quer concordes ou não, embora eu, irremediavelmente o pratique, e aí, contradigo-me, mas, é assim a vida, cheia de contradições!
Ora, de qualquer das maneiras, estava-te a dizer que o meu vizinho do sexto andar esfaqueou violentamente a mulher, como se de um naco de carne de porco se tratasse, como se fosse um saco de boxe onde o pugilista descarrega todos os seus golpes, incessantemente, cheio de fúria, ate à exaustão. Isto aconteceu porque ela queria divorcia-se dele, isto segundo a história que eu ouvi contar pela parte da minha mãezinha que, sendo a conhecida enfermeira do prédio, Dona Clara se prontificou logo a contar-me num desses inúmeros fins-de-semana que lá vou passar. Como é lógico não vou julgar ninguém… acho que hoje em dia cada um faz o que quer, mas esfaquear a mulher! Se ela se quer divorciar, que se foda, divorcio-me, agora esfaqueá-la? Quase até à morte! Arrependeu-se! Se bem que às vezes também me dá vontade de matar, ou agredir alguém, esfaquear, espancar, esventrar violentamente, dar murros e pontapés, cabeçadas e dentadas a certas e determinadas pessoas, só que…vamos ser racionais, não é?
Pois é, o meu vizinho após o acto arrependeu-se! Ligou para o 112 e chamou uma ambulância para a vir socorrer!





Pedro Oliveira
Fevereiro de 2011

“Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espectáculos. Tudo o que era directamente vivido se afastou numa representação.”

Debord, G., 1967, A Sociedade do Espectáculo