terça-feira, 8 de novembro de 2011

"Discurso apresentado no "Debate sobre cultura" que aconteceu na ESAD.CR no dia 24/10/2011"

Antes de mais quero aqui dizer que aceitei participar neste debate sem saber à partida que estava a ser programado por um partido politico, caso soubesse provavelmente não teria aceitado o convite pois desmarco-me do mesmo ideologicamente, e pergunto-me qual influencia partidária no desenvolvimento da cultura.

De qualquer das maneiras é de valorizar a atitude do Alexandre Cunha na organização do debate e só tenho a agradecer o voto de confiança e o convite, porque por outro lado acho irónico estar presente nesta mesa, quando a minha situação escolar ainda não estar resolvida, o que me deixa extremamente feliz.

Neste caso o Bloco de esquerda organizou numa instituição pública (ESAD) um debate sobre a cultura e o seu estado.

A primeira questão que vos ponho tem a ver com a realização de um debate sobre a cultura numa escola de artes do ensino superior organizado e patrocinado por um partido politico e não pela própria instituição, supostamente o maior interessado no assunto, e quais os verdadeiros interesses dos partidos políticos na discussão da cultura?

Se um partido político ou um governo tem um programa cultural assim como tem para a saúde, para os transportes, ou como anda agora na moda para a economia, por exemplo, isto leva-nos a pensar que o programa cultural do país, ou seja a própria definição de cultura de um país seja alterada conforme as opiniões dos políticos e dos partidos que o liderem.

Logo, se for um partido por exemplo de direita, a definição do que para eles deve ser desenvolvido culturalmente no país, varia da de um partido de esquerda.

Assim sendo a politica cultural do pais varia conforme os desejos de quem o lidere, sendo também que os apoios dados às diversas actividades culturais do pais variam da mesma forma. Esta situação faz com que certas áreas da cultura se desenvolvam mais do que outras e esse desenvolvimento esteja sujeito aos critérios de quem está à frente do ministério da cultura e dos departamentos culturais das câmaras municipais e de outras entidades vigentes.

Este sintoma aplica-se também à educação, como a uma escola de artes, por exemplo. Se as pessoas que estão à frente desses órgãos forem simples gestores ou burocratas, preocupados em lidar única e exclusivamente com números, de formas a responder aos seus superiores, eles também, gestores e burocratas, podemos dizer que o serviço é deficiente e que as necessidades dos seus utentes (alunos, por exemplo) não estejam a ser satisfeitas, pois quem está a frente nada percebe do assunto.

Poderemos também dizer que as vertentes culturais mais rentáveis do mercado, como a música ou a literatura, tenham vantagens e privilégios em relação a outras como as artes plásticas ou o teatro, por exemplo.

Outro problema é que se a politica aplicada por quem esta a frente desses órgãos for uma politica de desenvolvimento local, podemos ainda dizer que os produtores locais têm vantagem na obtenção de apoios em relação aos “forasteiros”, independentemente da qualidade pois o único objectivo de quem dá os apoios é fomentar o desenvolvimento regional.

Esta é então uma segunda questão em que penso, por experiencia própria e por, olhando ao meu redor ver que é um problema que existe nesta cidade.

Por exemplo: a maioria dos alunos da ESAD, vem de diversas áreas do país e vejo que é difícil a sua integração na cidade e na população, tanto pela estranheza reaccionária que existe por parte da própria cidade e dos seus habitantes, aos “artistas” e aos “de fora” assim como por um fechamento dos alunos e da escola sobre si próprios.

Acredito que existe infelizmente por parte de quem muitas vezes estuda e vem de fora uma atitude arrogante e de superioridade em relação ao outro, e essa postura acaba por se reflectir nessa recusa do cidadão local e num discurso negativista em relação à própria cidade e às suas instituições.

Assim como existe por parte da população local, um estranheza e um medo do desconhecido, esse medo existe pelo facto de sentirem a sua propriedade ameaçada, e os seus costumes e as suas rotinas alterados perante o “invasor”, e estes pensamentos podem estar na base do fosso que existe entre escola e cidade.

Por outro lado as vezes penso que a cidade está disponível ao apoio de quem vem de fora para desenvolver projectos, mas muitas vezes as pessoas não se querem mexer e lamentam-se que não há apoios.

Ficar sento à espera que as coisas aconteçam não leva a lado nenhum, e acredito que quem realmente quer fazer alguma coisa, faz, com ou sem apoios. A maioria das pessoas que eu conheço neste meio, não vivem da arte, ou da cultura, acredito que a maioria, nunca viverá.

Essas pessoas, das quais eu também faço parte, vivem com outras fontes de rendimento, e se continuam a produzir objectos, ou qualquer outra forma de expressão, muitas vezes sai do seu bolso, e como se costuma dizer, é por amor à camisola.

E de certa maneira ao mexer-me já tive e tenho apoios tanto por parte da câmara das caldas, como participo e desenvolvo projectos, com cidadãos caldenses, assim, como com alunos e ex-alunos da escola, ex-alunos esses que assim como eu foram ficando por aqui.

Também não acho bem que as pessoas não sejam valorizadas pelo seu trabalho e pela qualidade do mesmo, e acho que essa tal maioria, se fosse um mundo justo, viveria só para a cultura. Mas, o mundo não é justo, porque se fosse não haveriam milhões de pessoas a morrer à fome, e alguém se preocupa com isso? Alguém pensa nisso antes ou durante todas as suas boas refeições? Claro que não, não vamos ser hipócritas a esse ponto.

Agora aquilo que penso, é que se cada um de nós fizer um bocadinho, o mundo será um bocadinho melhor, e se tu influenciares a tua rua, a tua rua pode influenciar o teu bairro, o teu bairro a tua cidade, a tua cidade o teu país, etc.

Ao pensar sobre isto e agora para fechar, apresento uma espécie de uma ideia para resolver estes dois pontos.

Acho que os departamentos culturais do país têm que ser independentes dos partidos, dos governos e das câmaras a nível de gestão patrimonial. È lógico que para sobreviver precisará sempre de apoios económicos estatais (e é para isso que também servem os impostos) pois a mais-valia económica que a cultura trará ao país não aparece do dia para a noite, é preciso tempo, é um investimento, como a educação, mais gente formada, mais desenvolvimento, mais trabalho, melhores condições de vida e como a saúde, menos doenças, mais gente sã, melhores condições de vida, etc.

Acho que há vários problemas importantes na cultura em Portugal e um continua a ser ter gente que tem o poder de tomar decisões e que as toma de uma forma errada e sem conhecimento de como as coisas realmente funcionam, afogando muitas vezes à nascença o potencial e a importância no desenvolvimento do país que a cultura tem. Tome-se por exemplo o cinema, quem são os responsáveis pela destruição do cinema português e por quase todas as salas de cinema do país só terem filmes americanos? O Mercado que vende o produto?

A população que muitas vezes não tem acesso a informação e que o seu espírito critico vai sendo anestesiado entre o trabalho e o consumo do que lhes é dado pelos media?

Ou serão as pessoas (supostamente eleitas pelo povo) que estão à frente das instituições e entidades competentes que deveriam ser as primeiras a zelar pelo interesse do desenvolvimento da cultura no país, através da promoção do cinema português em vez da importação constante dos filmes de Hollywood?

Quem determina que os filmes de Hollywood são melhores que os portugueses, quem determina o que é bom e o que é mau?

Quem determina o que é cultura e o que não é?

Serão pessoas que estudaram a história a filosofia e a estética e que sabem distinguir a capacidade que certo tipo de objectos como filmes, peças de teatro, ou musica, têm de por as pessoas a pensar, que distinguem até que ponto esses objectos são profundos e pertinentes, e consequentemente belos e valiosos?

Ou serão políticos e gestores que pensam simplesmente em fazer dinheiro rapidamente e que passado um ano esse dinheiro já se esfumou porque as escolhas que fizeram são modas e interesses económicos, sem qualquer potencial artístico e cultural a longo prazo que enriqueça o país?

Ao mesmo tempo, será que uma pessoa é considerada culta em alguma matéria, ao saber varias especificidades da mesma? Por exemplo, será que um adepto de futebol, pode ser considerado culto por saber o nome dos jogadores todos, o sitio e a data onde nasceram, os jogos dos clubes, etc,?

Será alguém culto, por saber as marcas de roupa todas, e as estações e as modas dos anos x ou y?

Assim como será alguém culto por saber o nome dos artistas todos da história e o que fizeram?

Caso sim, Qual a diferença para distinguir os vários níveis de cultura e o que deve ser desenvolvido a nível cultural no país se as pessoas que gerem esses departamentos não são aptas para fazer tais distinções? E se a própria população se contenta com a “cultura” que tem e não procura nada de novo?

Na televisão, a percentagem de pessoas que vê RTP2 é mínima em relação à SIC ou TVI, por exemplo, e toda a gente sabe que o negócio televisivo é alimentado por audiências. As pessoas podem escolher a RTP2, mas não o fazem. Será que a culpa é dos programadores televisivos ou do próprio espectador que não quer pura e simplesmente ver “diferente”? Sair da rotina? Aborrecer-se?

Por outro lado vejo que no telejornal, temos todos os dias 20 minutos de futebol, e penso que se em vez de 20 minutos de futebol tivéssemos 20 minutos de agenda cultural do país, num curto espaço de tempo as opiniões e os interesses das pessoas iam mudando, porque acredito que também sejam precisos estímulos.

Mas de certa forma é mais importante para quem as gere, o valor das audiências do que o desenvolvimento do país.

Em relação aos privados nada tenho a objectar pois fazem o que querem mas em relação à televisão do estado já me pergunto qual o papel que ela poderia ter no desenvolvimento da cultura do país? Mas já tem um canal alternativo e gratuito visto por uma minoria!

Esta alienação por parte da maioria da população é um facto, nas caldas assim como em quase todas as cidades do país apenas uma minoria dos seus habitantes vai a exposições e outro tipo de eventos culturais (como disse a pouco), e cabe tanto aos produtores culturais como aqueles que estão em frente das instituições tentarem pouco a pouco, trazer mais espectadores aos acontecimentos.

Nesta cidade, são sempre os mesmos que vejo nas exposições, por exemplo, a maioria dos espectadores acabam por ser eles próprios produtores, e funciona quase como mostra entre amigos, pois poucos mais são os interessados.

Neste sentido e sabendo aquilo que é feito por quem produz, cabe saber o que é feito pelas instituições para alterar esta situação.

E cabe a vocês espectadores, tomarem também uma atitude e deixarem de ficar em casa a jogar computador, ou a falar no facebook, ou a ver novelas, cabe também a vocês, saírem à rua, para ver e fazer acontecer a cultura.

A rua é um espaço de todos e é onde acontecem as coisas. Como querem saber se há uma exposição se quando caminham olham para o chão, em vez de olharem em redor, como querem saber o que se passa à vossa volta, o que acontece, quando caminham virados para vocês mesmos.

Por mais culpas que possa apontar aos políticos e governantes deste país pelos problemas existentes a nível de apoios e verbas para a cultura acho sinceramente que os maiores culpados somos nós mesmos, por muitas vezes não abrirmos espaço na nossa mente para o que acontece à nossa volta, pela embriaguez em que vivemos diariamente, pela abstenção critica e pela nossa inércia em fazer algo.

Simplesmente vivemos as nossas vidas olhando para os nossos umbigos, e que alguém há-de fazer o resto! É esta a questão que eu vos deixo, fazem alguma coisa para mudar o mundo à vossa volta?


Pedro Oliveira

24 de Outubro de 2011

“Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espectáculos. Tudo o que era directamente vivido se afastou numa representação.”

Debord, G., 1967, A Sociedade do Espectáculo