sexta-feira, 15 de abril de 2011

Cronica: "Facadas" - para Enfarte Zine

Soube no outro dia que o meu vizinho do sexto andar, ah, e devo desde já avisar-te que vivo num prédio de quinze andares, com seis casas por andar, uma mera curiosidade que pode parecer irrelevante para esta nossa conversa, ou melhor, para aquilo que te estava a contar, mas que apresenta bem o problema do encaixotamento dos subúrbios da grande cidade e que de certa forma também serve para reflectir sobre esta nossa sociedade, onde as pessoas e as famílias vivem encavalitadas umas nas outras, presas à vida do trabalho casa e do casa trabalho, sociedade esta cada vez mais virada para o consumo. Problema este o do capitalismo pós-moderno que tem vindo a desrespeitar valores e morais, se bem que de certa parte, ache que os valorzinhos e moraizinhas bem enraizados pela grande velha gorda devam ser desrespeitados, mas há coisas que chegam ao cúmulo, e para mim, o desenfreado consumismo, causa capital, é um deles, quer concordes ou não, embora eu, irremediavelmente o pratique, e aí, contradigo-me, mas, é assim a vida, cheia de contradições!
Ora, de qualquer das maneiras, estava-te a dizer que o meu vizinho do sexto andar esfaqueou violentamente a mulher, como se de um naco de carne de porco se tratasse, como se fosse um saco de boxe onde o pugilista descarrega todos os seus golpes, incessantemente, cheio de fúria, ate à exaustão. Isto aconteceu porque ela queria divorcia-se dele, isto segundo a história que eu ouvi contar pela parte da minha mãezinha que, sendo a conhecida enfermeira do prédio, Dona Clara se prontificou logo a contar-me num desses inúmeros fins-de-semana que lá vou passar. Como é lógico não vou julgar ninguém… acho que hoje em dia cada um faz o que quer, mas esfaquear a mulher! Se ela se quer divorciar, que se foda, divorcio-me, agora esfaqueá-la? Quase até à morte! Arrependeu-se! Se bem que às vezes também me dá vontade de matar, ou agredir alguém, esfaquear, espancar, esventrar violentamente, dar murros e pontapés, cabeçadas e dentadas a certas e determinadas pessoas, só que…vamos ser racionais, não é?
Pois é, o meu vizinho após o acto arrependeu-se! Ligou para o 112 e chamou uma ambulância para a vir socorrer!





Pedro Oliveira
Fevereiro de 2011

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“Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espectáculos. Tudo o que era directamente vivido se afastou numa representação.”

Debord, G., 1967, A Sociedade do Espectáculo