sexta-feira, 26 de março de 2010

Manifesto à Praga

E aqui me encontro eu,
Uma vida depois,
Em ansiedade e desespero,
Esperando neste reencontro algo tão belo e único como a união
Entre o sol e a lua.

Pessoas escrevem à máquina curiosidades
Sem nexo
Num reflexo
Constante da tentativa de passarem pensamentos humanos para algo concreto,
Mas nada nunca fará sentido,
Como aquilo que sinto por ti,
Minha bela adormecida,
E assim,
No sono se encontram os sonhos,
Dispersos num turbilhão de luzes, sons e cor.

Pinturas abstractas flutuam numa relação
Com a qual eu não posso concordar
Pois no figurativismo expressivo encontro a minha figura,
Surreal, deslocada, fugitiva e cobarde.

Nessa fuga de uma babilónia perdida no tempo
Encontro o meu espaço,
Um porto de abrigo sem barcos onde todos nós damos à costa,
Náufragos de um cruzeiro de luxo,
Vendido por uma ideologia do que é uma vida feliz e o amor verdadeiro.

Naufragado desse barco encontro neste meu porto de abrigo,
Perdidos como eu e tu,
Animais,
Sobreviventes de um cataclismo mundial.
Amo-te, amo-vos…
Gafanhotos em bando devoram toda a vegetação do deserto
Deixando apenas os troncos secos,
Caules e raízes,
Plantas frágeis,
Ao resto dos insectos que somos,
Mas, dar-te-ei a minha raiz,
Fazendo assim, ao teu lado,
Crescer uma arvore de frutos doces e saudáveis,
Capazes de alimentar este exercito de náufragos.

Oh! Praga que me consome,
Chuva ácida sobre prédios cinzentos e podres,
Liberta-me as emoções e desperta-me para um mundo de sentimentos concretos, e verdadeiros,
Amo-te,
Sem ti a minha vida é apenas um dia de inverno,
Chuvoso, triste.

Lamentavelmente a minha sina é sofrer,
Com a situação,
Da minha visão,
Deste Titanic em que viajamos,
Sou um diccaprio afundado e tu,
A princesa deste filme de um segundo na historia do mundo,
Deste filme românico que é a vida.

Trabalhem, trolhas, trabalhem,
Na construção desta colónia de formigas,
Sujas,
Alimentando a fome de uma qualquer rainha-mãe,
Procriando, procriando,
Mais e mais,
Trabalhem, os trolhas, que trabalhem!

Azedos iletrados discutem numa esplanada, um café,
Futebol, fado e família,
Assombrados por um medo de nessas mesmas discussões
Constatarem factos depressivos sobre esta sociedade contemporânea
À qual são
Ao mesmo tempo produtores e consumidores desse mesmo fruto.

Vencidas as guerras,
A luta pela paz continua
Através de manifestos que nada manifestam,
Perdidos na dimensão de uma subcultura eclética,
Igual a todas as outras.
Manifesto,
Manifestas,
Futilidades absurdas sobre o que é a vida e a morte, o amor, a religião,
Tu que nada sabes,
Eu,
Cagalhão ambulante à deriva num esgoto qualquer,
Descarregado por um qualquer autoclismo que limpa
Toda a merda parida pelo cu dos nossos pais.

Consideram-se felizes merdas,
Sem se perguntarem porque não são xixis,
Líquidos fluidos,
Unindo-se à água e purificando-se.

Pecados,
Pedaços de pão,
Migalhas perdidas dadas aos pombos do jardim
Que em sinal de gratidão nos cagam em cima da cabeça,
Meu amor,
Todas as migalhas não seriam um bolo muito mais potente?
As pedras da Pessoa,
Também eu um dia hei de erguer um castelo,
Pra mim e pra ti,
E pra todos os cavaleiros e donzelas do reino do nada,
Onde nada reina e onde tudo é rei.

Vozes, vocês, nós,
Notas soltas,
Perdidas no ar de um qualquer compositor moderno,
Alucinando no abstracto,
Notas que fogem umas das outras,
Impossibilitando assim uma qualquer composição com nexo,
Música prós meus ouvidos.
Soam,
A pouco,
Tentando erguer o timbre,
Sobrepõem-se umas às outras,
Egoístas, putas,
Merdas de músicas.

Oh! Princesa,
Em tom de pseudo-manifesto te escrevo esta carta,
De um escritor que nada escreve,
Vagabundeando entre realidades diferentes,
Procurando encontrar
Uma realidade na qual me sinta totalmente preenchido e,
Aí, construir um canto escuro,
Um buraco onde me possa esconder e ser superficialmente feliz,
À espera que termine,
Este ciclo vicioso a que chama-mos vida terrena.
Impossível? Talvez. Possível?
Talvez, é tudo relativo,
Oh! Einstein,
Oh! Tu que tens a mania que sabes tudo,
Oh! Tu, e assim como eu, não sabes nada.

Puta, dos gafanhotos,
A puta,
Saltando de um lado pró outro,
Fodam-se todos,
Amo-vos todos,
Cabrões, odeio-vos, odeio-me,
Igual a vocês, igual a todos,
Somos todos,
Ervas daninhas num relvado,
Tentando assim construir e crescer,
Um ervado,
Daninhas,
Doninhas fedorentas,
Peidos de ovelhas criadas pró matadouro,
Peidos que fodem a camada de ozono,
Peidos despreocupados,
Por baixo de um lençol qualquer,
Cheirando egoistamente o cheiro,
Felizes,
Pela podridão do próprio cheiro.

Tenho saudades do conforto de uma cama de lençóis lavados,
A minha cama de infância,
Onde nada me destruía e a vida era simples e feliz,
No entanto sinto aqui,
Uma qualquer sensação de bem-estar,
Que me faz sorrir.

Ganzas fumadas,
Por um qualquer rasta,
Alimentando assim no inconsciente,
Um sonho de um mundo melhor,
Somos a porra de uns charros,
Fritarias e trips,
Com e sem consciência,
Gira a ganza man,
Partilha essa moca comigo amigo,
Irmão,
Amor da minha vida,
Droga, porra,
Agarrados vivem felizes,
Viajam no seu corcel castanho,
Num mundo de fantasias,
Abstraídos da podridão,
Enganados pelo fruto da sua fortuna, da sua desgraça.

A praga,
Porra,
A praga,
Porcos de orwell,
Triunfantes da pocilga,
A praga,
Porra
A praga,
Filhos da puta.
E eu aqui amor,
E tu aqui amor,
E nós aqui,
Amores, pragas,
De um mundo novo,
Subjugando a cultura do povo,
Amem-se, fodam-se, amo-vos!

Sem comentários:

“Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espectáculos. Tudo o que era directamente vivido se afastou numa representação.”

Debord, G., 1967, A Sociedade do Espectáculo