sábado, 5 de outubro de 2013

Cronica: "O saco" - para Art.sy Fanzine Online

Acordei naquela manha fria de Inverno, como sempre, sem vontade alguma de me levantar. No quarto escuro, os movimentos são apertados e preciso de me despachar para não perder o comboio, para o centro da cidade. A viagem com partida do subúrbio leva o seu tempo e de casa ao trabalho vai mais de uma hora de distância, por isso, naquele dia às 6h20 da manha já estava de pé. Após lavar a cara, e tomar o pequeno-almoço saio para a rua sonâmbula, iluminada, ainda e só pela luz laranja dos candeeiros, e eu, apressado, acendo um cigarro que insiste em entupir-me as narinas, enquanto que as pequenas gotas de chuva me vão molhando às prestações até à estação de comboio. Pela viagem apenas rostos sombrios e ensonados.

Cheguei a horas ao escritório da patroa, parece que não está bem com nada ela, nunca, vive para aquilo e descarrega a sua energia sobre os empregados, sempre zangada. Faço ouvidos moucos e depois da conversa e das indicações pego no material de trabalho e ponho-me a mexer com a minha colega, uma estagiária, nova, a quem a patroa tem o hábito de gritar e de chamar mosca morta, para mim, será apenas o primeiro dia de trabalho. O saco do material é pesado e as alças estão rebentadas assim como as rodinhas, o que me obriga a ter que o trazer a pulso, a esforço, durante toda a manhã.

A minha colega tem vergonha do que faz, por isso ao entrarmos no metro afasta-se de mim para não ser reconhecida como tal e não me dirige a palavra uma única vez. Após atravessarmos meia cidade debaixo de terra saímos finalmente para fazer o primeiro serviço, já estamos atrasados. Caminhamos à chuva por umas ruas até chegarmos à lavandaria. Lá dentro o chão fica automaticamente sujo com as nossas pegadas e a água trazida da rua. Tiro para fora do saco um garrafão cheio, com cinco litro de água, o detergente para a loiça, um balde, o material de escovagem e panos, ela trás consigo os extensores. Verto um pouco da água do garrafão e de detergente para dentro do balde metendo la dentro também as escovas para que ensopem. Saio para o exterior da lavandaria com uma escova, extensor, e uns panos, enquanto isso, a minha colega fica la dentro a tratar do interior, é esperta ela, o gajo que vá para a chuva. Esfregamos a montra e a porta com a escova cheia de detergente e retiramos a água com aquela coisa de raspar que se utiliza para limpar os vidros, como os miúdos nos semáforos, os cantos são passados a pano para não escorrer.

Em dez minutos o trabalho está feito, o material arrumado outra vez dentro do saco e deixamos a lavandaria, com os vidros a brilhar e com o chão imundo. Pego novamente no saco e começamos a andar em direção ao metro, o saco já começa a pesar e os ombros a doer, o realizador ri-se enquanto que as cameras e os holofotes já me fazem suar por debaixo das roupas e do impermeável.





Pedro Oliveira, 06 de Fevereiro de 2013

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“Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espectáculos. Tudo o que era directamente vivido se afastou numa representação.”

Debord, G., 1967, A Sociedade do Espectáculo